Por Marcus Vinicius de Azevedo Braga *
“Aquele que imagina que todos os frutos amadurecem ao mesmo tempo, como as cerejas, nada sabe a respeito das uvas."
Paracelso
Quando eu era militar, cursando a Escola Naval nos idos dos anos 90, face a inadimplência de alguns alunos em arrumar a suas camas, atividade extremamente valorizada na formação da caserna, foi estabelecido pelo comando uma verificação das camas em todas as manhãs das sextas-feiras. Após uma inspeção por um comitê de oficiais, a melhor cama, ou seja, a mais bem arrumada, seu dono seria brindado com a saída um dia da semana mais cedo. Já a pior, esta o seu dono só iria embora no sábado de manhã, perdendo a diversão e o convívio com a família na sua sexta a noite. Considerando-se que era um internato onde ficávamos de segunda a sexta, esse céu e inferno das camas constituía uma odiosa punição e uma adorável recompensa para aqueles jovens militares.
Esse método de avaliação da proficiência, digamos assim, na arte de “arrumar as camas”, era medida por uma avaliação focada nos extremos, premiando o melhor e punindo o pior, em um sistema referencial, onde sempre haveria um pior e um melhor, invariavelmente. Com a publicação recente dos resultados do ENEM e o IDEB aferido, a imprensa leiga educacionalmente prendeu-se rapidamente em valorizar a criação de rankings desses dados, exaltando as indicações dos extremos, em diversas reportagens mostrando as melhores e as piores escolas e municípios, o que serviu de munição mercadológica e até eleitoral para uns.
A avaliação do sistema educacional visa, precipuamente, medir para diagnosticar e indicar, assim, os pontos que demandam melhoria, norteando a política educacional. Essa visão da avaliação, como ferramenta de auxílio a condução da política, difere dessa visão do senso comum de uma “avaliação pelos extremos”, buscando na linha imaginária da média identificar os que estão abaixo ou acima desta. Essa visão induz a uma situação esdrúxula, pois sempre existirá alguns abaixo da média e um outro grupo acima, identificando essa visão apenas quem está bem ou mal posicionado, classificando mais do que diagnosticando.
Quando buscamos estabelecer um padrão e no processo de avaliação medimos que está acima ou abaixo desse padrão, aí sim temos um referencial que permite indicar como a política tem se comportado em relação ao que se espera, nos permitindo traçar metas e estratégias. Não nos limitamos apenas a identificar os atores frágeis e de sucesso e sim a rever, nas faixas indicadas em relação ao padrão, o que realmente nos cabe fazer. Isso nos permitirá em relação a outra época comparar como anda a educação e ainda, em relação a meta futura. Essa tem sido a visão dessas avaliações globais do sistema educacional nacional, ainda que na busca do evento singular e curioso, se busque realçar os extremos.
De que me adianta saber, como condutor da política e como cidadão, que a escola “X” foi a menor média do país ou da região e que a “Y” foi a melhor. Tirarei então meu filho da escola “X” e colocarei na escola “Y”. Como cliente do sistema educacional, identifiquei quem serve e quem não serve? Não parece serem os dados coletados o suficiente para depreender essas conclusões. Seria simplificar demais essa questão! Para a política educacional não interessa saber quem foi a pior “cama arrumada” ou a “melhor cama arrumada”, parafraseando nosso exemplo inicial. Interessa saber como tem andado a qualidade das camas de todos os alunos. Quais as questões envolvidas nas arrumações em relação a um padrão estabelecido.
Em um dizer estatístico, a distribuição da ocorrência de desempenhos em uma avaliação dessa magnitude tende a seguir a distribuição normal, a famosa curva em forma de sino e simétrica em relação a média, estudada pelo matemático Gauss.
Assim, o desempenho das escolas, municípios e alunos avaliados tende a se concentrar em uma média, com uma pequena participação nos extremos inferiores e superiores. Comentários e aprofundamentos exclusivamente nesses extremos não indicam muito do quadro geral .Do jeito que estão postos os mecanismos de avaliação existentes hoje , é possível, dentro de um contexto, extrair inferências mais significativas que são excelentes instrumentos para balizar a condução da política. Para alguns veículos da imprensa, na abordagem da questão, cabe enxergar de outra forma, para além dos extremos, esquecendo a avaliação individualizada e olhando a “floresta do alto”.
Fugir disso é alimentar a comparação inócua e destrutiva, criando anjos e demônios na identificação de piores e melhores, comparando ainda cebolas com batatas, esquecendo-se que se trata de uma avaliação social, com elementos complexos envolvidos. Apesar dessas limitações, a avaliação constitui uma ferramenta fundamental para a condução da política e para a derrocada de mitos. Basta cuidado para que não crie outros mitos..
* Pedagogo e mestrando em Educação (UnB)
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