E então hoje neste dia, suavemente, sossegadamente, todas as angústias vão embora. Você começa a ler esse post e imagina que suas pálpebras piscam mais vagarosamente, como se alguém as tivesse filmando em slow-motion. Você vê sua vida como um rio que corre e sempre terá o mar. Vê as paisagens bruxelantes ao redor, como se estivesse boiando nesse rio e ainda há muito o que boiar. Ri suavemente dos que tem algum poder e dos que não tem, ri de si mesmo e de sua vida atual. Ri por ser quem é e morar com a mãe, ri por ter vizinhos que quase não conhece, ri da sua tenra idade e das incertezas que lhe cercam. Mas ri de um canto só da boca; não gargalha pois isso lhe seria fatigante e o momento é de bem estar. Ri das coisas inexoráveis, do casamento que vai mal, das coisas todas erradas que lhe aconteceram com seu último par, das contas que vencem e não há como pagar. Indelével, sorri de si e da inveja que nutre por outras pessoas que você sabe que são mais capazes que ti. Respira fundo e encontra uma paz de espírito por saber que tem amigos, familiares, um animal de estimação que lhe causa tantos cuidados e lhe dá tantas satisfações. Lembra de um aniversário seu de tempos passados, quando muitos estavam reunidos por sua causa e lhe ofereciam presentes embrulhados e da satisfação não de os receber - mas de desembrulhá-los. E boiando, peito desnudo, sente o calor do sol e o friozinho da sombra das árvores quando se passa por debaixo delas. E sua vida flui como o rio que terá sempre o mar. E fecha os olhos para as paixões que fustigam demais a mente: o ciúme, a cobiça, a impotência de ser só o que se é. Esquece nesse momento, ato contínuo, os cabelos que não são como gostaria que fossem, as gordurinhas a mais na barriga, os dentes estragados, a alergia desses tempos secos. Tudo passa, tudo passa, e como passa! Lembra de um dia frio em que juntou gravetos e botou fogo e ficou do lado se aquecendo, olhando as chamas que existem e se consomem e já não existem e ainda existem na sua memória. Bruxelantes, como a paisagem à margem do rio. Passadoira, como as árvores à margem do rio. Como as flores à margem do rio que existem e têm perfume e amanhã serão mortas e o perfume não mais existirá a não ser em sua memória. Pensa que colhe-as e as deita sobre teu peito e que o perfume delas suavize esse momento. Momento de esquecer das frivolidades e preocupações e de deixar fluir a vida que sempre terá o mar. E pensa que amanhã serás sombra, uma imagem na memória de alguém pois terás deixado de existir. E que o frio que refresca a vida do outro que te lembra e o perfume das suas palavras estarão na memória dele. E que não tens responsabilidade sobre essa lembrança; não mais que a responsabilidade que tens de existir e de deixar fluir a vida esquecendo-te de tudo aquilo que não merece ser lembrado. Abstrai. Lembra que sob as árvores que passam, existem formigas que não vês. Reza pelas formigas. Quem pode dizer que elas não rezam por ti?
Depois de uma discussão, pode bem você baixar a cabeça e dizer para quem está ao teu lado: perdoa! Independente da resposta do outro, fecha os olhos, abre os braços e deixa-te boiar rumo ao mar.
Boa semana a todos.
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